sábado, 10 de fevereiro de 2018

Figuras Públicas

EM MEMÓRIA DE QUEM NASCEU, VIVEU E/OU MORREU EM PARANHOS.
FIGURAS PÚBLICAS DE PARANHOS

Um «indomável beirão da Serra da Estrela» sepultado em Paranhos

RODOLFO A. ABREU (1903 - 1966)

Prestigiado antifascista muito respeitado no Norte do País, este professor destacou-se como pedagogo e também como articulista na imprensa nacional e regional. Conferencista e escritor, defendeu os direitos da criança, promoveu a formação pedagógica da classe docente do ensino primário e bateu-se corajosamente contra a Ditadura do Estado Novo.
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I - Rodolfo de Almeida Abreu nasceu em Seia, em 1903, e morreu no Porto a 8 de Outubro de 1966. Foi casado com Amélia Pais, também professora, e teve duas filhas: Helena Abreu, pintora e professora e Lucília Abreu, professora. Era tio de António Almeida Santos.

Foi em Seia que começou por exercer o magistério, mantendo uma actividade cívica constante. Escrevia regularmente artigos de opinião no jornal A Voz da Serra, assinando-os com o pseudónimo de «João Livre». Eram artigos de formação política de índole progressista, que versavam frequentemente temas de Educação - num esforço permanente de consciencialização do Povo - o que o levou a ser perseguido pela polícia política e acusado de fomentar ideias revolucionárias e anti-religiosas. Contou sempre com a solidariedade popular e, sobretudo, de colegas, mas em 1932 acabou por pedir a transferência para o Porto e, a partir daí, estendeu a sua colaboração a outros órgãos da imprensa regional e local, entre os quais o Notícias de Gouveia, O Povo, O Correio, O Combate, o República (de que foi um colaborador assíduo) e o Diário de Coimbra. Pugnava, então, pela defesa do professorado do Magistério Primário, considerando que era uma classe que o Estado Novo degradava; e denunciava a demagogia das reformas educativas do Salazarismo. Divulgou, pela palavra e pela acção, o documento «Nova Declaração dos Direitos da Criança».
No princípio da década de 40, Rodolfo Abreu já participava activamente no movimento de oposição democrática ao regime do Estado Novo.

Em 1949 apoiou a candidatura de Norton de Matos à presidência da República.
Foi preso pela PIDE em 11 de Abril de 1950, acusado de pertencer ao Partido Comunista Português. Durante a prisão escreveu um diário, «Diário de Prisão», depois completado com o «Diário de Julgamento». Julgado em tribunal plenário, contou com a defesa clarividente e corajosa do advogado António Macedo, tendo sido libertado após meses de cárcere e, depois, reintegrado na função pública.

Em 1958 apoiou a candidatura de Humberto Delgado à presidência da República. 
Foi amigo e camarada de personalidades como Ruy Luís Gomes, Virgínia Moura, Óscar Lopes, Armando de Castro, Raul de Castro, Aquilino Ribeiro, Papiniano Carlos, Amândio Silva, Carlos Cal Brandão, Orlando Juncal, Viriato Moura, Corino de Andrade. 
Como pedagogo desenvolveu várias actividades em prol da inovação pedagógica no Ensino Primário, sendo autor da brochura “Em Defesa do Desenho Expressivo da Criança” (Livraria Divulgação, Porto, 1960), uma obra que teve, então, grande repercussão na didática do desenho.
Foi um dos mais dinâmicos sócios fundadores da Cooperativa SEM – Sociedade Editora do Norte, lançando aí a ideia de uma Universidade Popular.
Foi membro activo da Casa da Beira-Alta no Porto e da Casa Museu Abel Salazar, a cujas direcções pertenceu.

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II - Durante muitos anos, antes do 25 de Abril de 1974 (mas também depois), por ocasião da data da sua morte, os mais destacados oposicionistas do Porto promoviam romagens à sua campa no Cemitério de Paranhos, para evocarem o nome e a obra do ilustre professor. Era uma cerimónia de afirmação antifascista, essa que ocorria regularmente por ocasião do dia 8 de Outubro. Na presença de muitos amigos e populares, algumas figuras da Resistência (tais como Óscar Lopes, António Macedo, Guedes Pinheiro e Flávio Martins) depositavam ramos de flores na sua campa e proferiam discursos, enaltecendo o carácter, a generosidade, o espírito racionalista e solidário, e a lucidez crítica de Rodolfo Abreu, considerado um «indomável beirão da Serra da Estrela» (1).


Depois do 25 de Abril a Câmara Municipal do Porto deu o seu nome a uma rua daquela cidade.

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III - O primeiro dia, no DIÁRIO DE PRISÃO
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Dia 11 de Abril de 1950
Tive, na véspera, oito horas de trabalho fatigante, daquele trabalho que só um professor primário conhece a medida. Descansava ainda pelas sete horas, quando a minha mulher ouviu a velha criada a dizer para alguém: “os senhores venham às nove horas que o senhor professor está ainda a descansar...”
Os agentes deviam ter-se rido da ingenuidade da Teresa. “Cinquenta e cinco anos que eu tenho e nunca vi uma coisa assim! Entrarem em casa àquela hora e sem pedirem licença!” – exclamou depois.
Um homem mal encarado (era o Pinto Soares) entra no meu quarto, sem o menor respeito pelo ambiente íntimo dum casal e convida-me a levantar. Entretanto, começa uma minuciosa busca em toda a casa, enquanto outro agente me acompanhava ao quarto de banho.
A minha mulher chorava e acusava a polícia da grosseria praticada ao mesmo tempo que os avisava de que sabia usarem de violências. Fez-se ouvir uma ameaça da parte do chefe de brigada, mas não produziu efeito porque minha mulher respondeu que de tal fama se não livravam.
Minha filha Lucília, mais serena, acompanha o Puga ao andar superior, onde tudo revolve e põe em desordem.
É-me permitido tomar o pequeno almoço, o que teve um paladar diferente dos outros dias. Entretanto, encontrava-me imperturbável. E lá vou eu num enorme carro, bem guardado por sete agentes. Tanta gente armada para um homem indefeso. (...)

Nota:
(1) Das notícias, nos jornais da época, dessas romagens de saudade, destacamos a realizada no 2º aniversário da sua morte (1968), que contou com uma centena e meia de pessoas (um número muito elevado, tendo em conta a repressão a que ficavam sujeitas nestas iniciativas), e na qual Óscar Lopes foi o principal orador; encontramos também especial referência a uma outra, essa após o 25 de Abril de 74, de cuja comissão promotora fizeram parte, entre muitos outros, Ruy Luís Gomes, Virgínia Moura, Lobão Vital, Óscar Lopes e José Morgado.

.Biografia em co-autoria de Helena Pato e Francisco Abreu Pessegueiro, neto deste resistente antifascista. Escrita a partir de alguns dados biográficos facultados por FAP e de diversas notícias da imprensa da época. As fotografias anexadas em comentários foram facultadas pelo referido neto.

Texto de:

Figuras Públicas

MARQUES DA SILVA – O ARQUITECTO DO PORTO
Texto de César Santos Silva

José Marques da Silva nasceu em Paranhos no ano de 1869. Seu pai, Bernardo Marques da Silva, foi o fundador da primeira empresa mecânica de mármores que a cidade conheceu. Esta situação foi importante para Marques da Silva, já que foi possível ao futuro arquitecto ter a ajuda económica dos pais aquando da sua ida para o estrangeiro a fim de concluir os estudos. Na Escola de Belas Artes, Marques da Silva teve aulas com os melhores professores da época: Geraldo Sardinha, Marques de Oliveira, Soares dos Reis, etc.
Em 1889, vai para Paris para concluir os estudos e aqui convive com Teixeira Lopes, Veloso Salgado e com os franceses Binot e Chamut, entre outros.
Em 1896, com o curso já concluído, concorre ao Monumento a Afonso de Albuquerque (com a colaboração de Teixeira Lopes) e obtém o terceiro lugar. Concorre ainda ao projecto do Monumento ao Infante, no Porto e ao projecto da reconstrução dos Jerónimos. De referir que este projecto esteve exposto em Paris na Exposição Universal de 1900, mas que se perdeu na vinda para Portugal por causa de um naufrágio que o navio sofreu!
De regresso ao nosso País é encarregue de dirigir as obras da Igreja de S. Torcato em Guimarães e, em 1902, é nomeado professor do Instituto Industrial e Comercial do Porto. Em 1907, é nomeado professor de arquitectura da Academia Portuguesa de Belas Artes por vaga, devido ao falecimento de seu mestre José Geraldo Sardinha.
Foi no Porto que José Marques da Silva teve o grosso da sua produção. Das suas inúmeras obras temos a salientar:
– Estação de S. Bento (1896-1900), construída no local onde esteve durante séculos o Convento de S. Bento de Avé-Maria;
– Monumento à Guerra Peninsular (1909), na Praça Mouzinho de Albuquerque (Rotunda da Boavista), aqui com a colaboração do escultor Alves de Sousa;
– Teatro S. João (1909), no local onde esteve instalado outro teatro com o mesmo nome, mas que foi devorado pelo fogo em 1908;
– Edifício dos “Grandes Armazéns Nascimento” (1914) onde posteriormente foram instaladas as “Galerias Palladium” e onde hoje está a “C&A” e a “FNAC”;
– Edifícios da “Nacional” e do Banco Inglês (actual BBVA) (1919) que estão no início da Avenida dos Aliados, à esquerda e à direita respectivamente;
– Liceus Alexandre Herculano (1914) e Rodrigues de Freitas (1918);
– Capela-mor da nova igreja de Cedofeita;
– Casa de Serralves (1925);
– Casa-atelier onde Marques da Silva viveu, na Praça Marquês de Pombal, 44 e onde está instalada a Casa Museu dedicada ao legado do Arquitecto.
Em quase todas as obras de Marques da Silva, e no dizer do arquitecto Nuno Tasso de Sousa, “emerge uma cultura afrancesada, majestosa e sensível à grande urbanidade”. Face ao que foi acima exposto, podemos afirmar que, pela quantidade e qualidade da obra, Marques da Silva é sem dúvida o arquitecto que mais marcou o Porto no século XX. Não só no que construiu, mas também na influência que teve nos arquitectos modernistas, como Manuel Marques, Rogério Azevedo, Januário Godinho, etc., assim como nas gerações sucessivas com nomes como Fernando Távora, Júlio de Brito, Siza Vieira, Souto de Moura, etc., nomes que tornaram famosa a Escola do Porto.
Para perpetuar a memória do arquitecto na toponímia da cidade, a Câmara Municipal do Porto decidiu em 1964 mudar o nome da então Viela da Friagem para Rua do Arquitecto Marques da Silva. Esta artéria fica na zona do Bom Sucesso e liga as ruas do Campo Alegre e Gonçalo Sampaio.

domingo, 4 de fevereiro de 2018

Cinemas e Teatros

CINEMA

Sabia que houve uma sala de cinema na Rua de Lindo Vale?
Salão Marquês de Pombal
O Salão Marquês de Pombal era um barracão de dimensões reduzidas e condições precárias localizado perto da praça com o mesmo nome, na Rua do Lindo Vale.
“Um novo Salão instalado à Praça Marquês de Pombal e inaugurado a 19 de Julho”, sendo empresário Armindo José Fernandes.
 (O Comércio do Porto, 19.07.1907, p. 2)
Local onde existiu o Salão Marquês de Pombal (foto)

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

ESCOLAS BÁSICAS

INAUGURAÇÃO DA ESCOLA DO BAIRRO AGRA DO AMIAL
29/10/1961
Vários aspectos da inauguração da Escola Primária do Bairro da Agra do Amial, com a presença do Chefe de Estado, Almirante Américo Tomás, do Presidente da Câmara Municipal, José Albino Machado Vaz, do Ministro das Obras Públicas, Eduardo Arante e Oliveira, do Eng. Guilherme Bonfim Barreiros, entre outros.





















ESCOLA BÁSICA DA CARAMILA - 1960
A escola da Caramila, situada no Bairro do Carvalhido, na freguesia de Paranhos, foi inaugurada em 1960 sendo constituída por duas escolas - uma feminina e outra masculina - que se fundiram mais tarde numa só. A sua designação foi inspirada no nome popular que sempre teve, por a mesma ter sido construída nos terrenos de uma quinta: a Quinta da Caramila.
O seu edifício tem dois pisos, tendo o primeiro 5 salas de aula, um gabinete que funciona como sala dos professores e apoio de secretaria e um ginásio. No segundo piso funciona a educação pré-escolar em duas salas, um centro de recursos, um gabinete para apoio de educação especial, e ainda uma área que funciona como cantina. No exterior do edifício há um espaço ajardinado, dois recreios desnivelados onde as crianças brincam e onde decorrem também actividades físicas.
fonte: AE Fontes Pereira de Melo 





































ESCOLA BÁSICA DO COVELO - 1959


Quando entrou em funcionamento era constituída por um sector masculino – a Escola nº 73 – e por um feminino – a Escola nº 74.
Posteriormente, evoluiu para mista – a Escola nº 28. Em 2004, passou a designar-se Escola do Covelo, como homenagem a Manuel José Covelo, antigo proprietário da Quinta. No ano lectivo de 1999/2000 foi activada a sala de educação Pré-escolar.
Actualmente, funcionam duas salas de Jardim-de-infância, sendo uma delas destinada a alunos surdos, e oito turmas do 1º ciclo. A Escola é frequentada por um total de 180 alunos. No ano transacto, iniciou um projecto de intervenção precoce para crianças surdas, a partir dos 0 anos de idade. O apoio é, também, prestado às famílias quer na formação em Língua Gestual Portuguesa quer na orientação para a educação dos seus filhos.

fonte: agrupamento Eugénio Andrade.






















< ESCOLA BÁSICA DE COSTA CABRAL - 1962

Construída em 1962, entrou em funcionamento com um sector masculino e outro feminino os quais, em 1979, se fundiram na Escola nº 37 que, posteriormente, viria a designar-se de 17. Em 2004, adopta o nome do estadista António Bernardo Costa Cabral por se situar na artéria assim denominada. A EB de Costa Cabral ocupa 7007 m2. Fica circundada pelas Ruas de Costa Cabral, Eng. Guilherme Bonfim Barreiros e Rua do Cunha, apresentando o portão principal e dois laterais. A sua área coberta é ocupada pelo edifício Escolar, com 1637 m2 de superfície, e por uma biblioteca. A área descoberta é de 5370 m2 e destina-se ao recreio dos alunos e a uma zona ajardinada.
O edifício Escolar instala-se num só piso composto por doze salas de aula.









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Leitaria Quinta do Paço - 1920






Leitaria da Quinta do Paço,
 na Rua da Ribeira Grande. 
Fábrica em Paços de Ferreira

Em 1920 a Leitaria da Quinta do Paço inicia a produção de leite, manteiga, queijo e chantilly. 
A Leitaria da quinta do paço, da família Aranha Furtado de Mendonça, situava-se na freguesia de Eiriz, Paços de Ferreira, local onde era recolhido o leite, fabricado o bom queijo, iogurtes, manteiga e derivados que depois eram levados para a comercialização.

Um dos pontos de recepção para distribuição localizava-se na Freguesia de Paranhos, na Rua da Ribeira Grande. À época afirmou-se como a primeira empresa do sector a distribuir leite pasteurizado em garrafas de vidro, numa altura em que a distribuição era feita em bilhas que as vendedoras do Porto transportavam à cabeça. Ano após ano foi ganhando fama e impondo a qualidade dos seus produtos que se mantém até hoje. A manteiga com sal vendida ao peso, na embalagem de papel vegetal, continua a ser um clássico, bem como os queijos e o chantilly.

Chegada das leiteiras, após distribuição,
pela Rua de Armando Cardoso
Yogurte


Leitaria da Quinta do Paço, na Rua da Ribeira Grande, a primeira na distribuição de leite em garrafa e uma das primeiras na confecção e venda de yogurte.

sábado, 22 de julho de 2017

Paranhos (Paramos) na Crónica de D. João I de Fernão Lopes

XVI - A guerra no Norte


117. DOS CAPITÃES QUE ENTRARAM COM O ARCEBISPO A CORRER EM PORTUGAL, E COMO FOI PRESO FERNANDO AFONSO DE ÇAMORA.


Ouvido tendes, já vai em dois meses, como treze galés partiram de Lisboa e se foram à cidade do Porto, para todas, juntamente com as naus e galés deste lugar, virem em seguida dar batalha à frota delRei de Castela que estivesse sobre a cidade, e para melhor vermos tudo o que se fez depois que aí chegaram leiamos primeiro os três capítulos sobre o que aconteceu antes da sua vinda.
Onde sabei que tendo elRei de Castela cercada Lisboa, como dissemos, e estando por ele em antre Doiro e Minho os lugares que já são ditos, ajuntou-se dom João Manrique, Arcebispo de Santiago, com muitas gentes de portugueses e castelhanos para correr e destruir toda aquela comarca que tivesse voz da parte do Mestre, e os capitães portugueses que com ele vinham eram estes, convém a saber: Lopo Gomes de Lira, e João Rodrigues Porto Carreiro, e Fernão Gomes da Silva, e Airas Gomes o velho, e Martim Gonçalves dAtaíde, e Vasco Gil de Fontelo e Gonçalo Peres Coelho.
E os capitães galegos eram: Fernan Perez dAndrade, e BernaldEanes de Santiago, e Garcia Rodriguez do Valcarce e Martim Sanchez da Marinha, e PedrÁlvares e Paio Sorredea, e João Rodriguez de Bema e Gonçalo Marinho e outros, e traziam até setecentas lanças e dois mil homens de pé, todos de gentes escolheitas, bem prestes para pelejar.
Andava mais naquela comarca um cavaleiro castelhano que chamavam FernandAfonso de Çamora, homem bem fidalgo, acompanhado de oitenta de cavalo que eram muito bons escudeiros, quer castelhanos quer doutra gente, mas este andava apartado dos outros e com arte por esta guisa: quando chegava aos lugares que estavam por Portugal dizia que era da tenção do Mestre, e quando chegava aos que estavam por Castela com poucas palavras lhes fazia entender que era da sua parte, e assim andava com os seus comendo e gastando da terra sem que nenhuma pessoa lho contradissesse. E com este fingimento chegou mais as suas gentes a Santo Tirso de Riba d'Ave, e lançou-se aí a folgar muito desacautelado de qualquer contrário que lhe avir pudesse, não pondo sobre si nenhuma guarda.
O Conde dom Pedro, que estava no Porto como já foi dito, tendo ouvido isto, disse aos da cidade como sabia ao certo que este FernandAfonso andava com aquela falsura. Quando eles ouviram dizer que ele usava de tal arte, roubando e gastando da terra, partiram para o apanhar uma noite e chegaram de madrugada ao local onde pernoitara com todos os seus, desprecavidamente, e acharam-nos ainda nas camas, e apesar de que ele trabalhou para se defender quanto pôde, e igualmente alguns dos seus, tal não lhes serviu de nada, tendo ao invés ali sido mortos sete dos seus e havido feridos duma parte e de outra, e outros fugiram cada um por onde melhor podia, e prenderam-no a ele e a Afonso de Valença, seu filho, e mataram um seu sobrinho, e tomaram-lhe os cavalos e as mulas e todas as outras coisas que lhe encontraram, e trouxeram tudo para a cidade, e ali esteve preso mais o filho até que a frota seguiu depois para Lisboa e a nau onde ia foi tomada pelos castelhanos, como adiante ouvireis.

118. DO CONSELHO QUE O ARCEBISPO HOUVE COM OS SEUS DE QUE FOSSEM CERCAR O PORTO.


Estando o Arcebispo em Braga com as gentes que já nomeámos, e espalhando-se estas pela terra a roubar e a fazer todo o mal que podiam, houveram conselho a respeito da maneira como fariam a guerra o mais a seu salvo que pudessem e com mais sua honra, e afirmam alguns que disseram entre si: Vamos ao Porto, que são daqui quatro léguas, e cerquemo-lo por um lado, e que o nosso arraial seja posto à porta do Olival, e em breves dias o tomaremos, porque na cidade não há ninguém capaz de pelejar connosco, nem ela há poder de se defender que muito seja.
O Arcebispo, quando isto ouviu, respondeu então e disse: Eu não sou desse conselho por duas razões, à uma por a cidade ser de muita gente que a bem poderá defender, e à outra porque é porto de mar que por muitas guisas pode haver acorro quando de tal coisa precisar, e portanto me parece que será bem não nos chegarmos muito a ela, mas andemos antes a jeitos de duas léguas ao redor, e tirar-lhe-emos os mantimentos, e pois que eles não são encavalgados não nos podem vir fazer nojo, e entretanto ir-se-ão consumindo entre si, e porventura por esse azo se tornarão para o nosso lado, sem nenhum outro dano nosso. Dado que a maior parte do reino está por Castela, o rebelar de Lisboa, deste lugar e dalguns outros que têm a voz do Mestre não pode ser coisa que muito dure; pois que eles verão que fazem vaidade em defenderem porfiosamente a sua intenção, e farão todas as coisas que elRei, nosso Senhor, e a Rainha sua mulher lhes mandarem, e digo-vos que este seria o meu conselho. Conselho no qual se outorgavam todos os galegos e castelhanos que aí eram.
Mas os portugueses desnaturados que ali estavam, especialmente Lopo Gomes de Lira mais os seus parentes e amigos, disseram ao Arcebispo: Senhor, vamos todavia adiante, e não temos por que haver receio dos que moram na cidade; gentes são de Concelho, e não há neles nenhum bom regimento. E porque os corações de muitos são desvairados, não somente por inveja mas ainda por suspeição, que é coisa que anda muito entre eles, pode ser que quando nos virem junto consigo se ponham todos sem governança, e nascerá entre eles tal desacordo que a nós será mui grande ajuda, e azo de nos vir grão proveito. E se por acaso tiverem vontade de sair a pelejar connosco, nunca pescador lançou melhor lanço do que nós nisto podemos lançar. No que porventura pode ser que tomemos a cidade, o que para nós seria mui grande honra e façanha, de forma que, duma guisa ou doutra, não podemos disto retirar senão bem, e portanto não o ponhamos mais em vagar mas cheguemo-nos lá em toda a guisa, e, que mais não seja, vamos ao menos para fazer mostrança e provar o que querem fazer.
E o conselho era muito bom se os da cidade fossem em desacordo, como eles diziam, porque aí não há morte mais cheia de peçonha nem que tanto destrua as cidades e vilas, nem que as faça mais asinha perder do que a discórdia entre os moradores delas, mas o que ali acontecia era muito ao invés, pois as gentes da cidade eram todas num acordo para saúde e defensão dela, e tinham todos um só coração e desejo como se mostrou depois ao diante.
Então o Arcebispo, sentindo-se afincado com estas e outras razões, teve de consentir, indo ao acordo do que os outros diziam, e começaram de andar o seu caminho pela estrada de Guimarães, chegando ao meio-dia cerca do Porto, e montaram o seu arraial onde chamam São Romão, que dista meia légua do lugar, e ali comeram e folgaram.

119. COMO OS DO PORTO SAÍRAM FORA DA CIDADE PARA PELEJAR COM OS GALEGOS.


Quando os da cidade souberam como os castelhanos eram naquele lugar, e a vontade com que vinham, chegaram todos a seu acordo, dizendo uns aos outros: Estas gentes que ali estão são muitas e boas, e vêm com a intenção de cercar esta cidade e de a tomar, se puderem; e nós, sendo cercados por eles, ou nos deixaremos aqui ficar encerrados, como gado no curral, e não sairemos lá fora, ou lhes poremos a praça; se não sairmos daqui, isto ser-nos-á de mui grande míngua e prasmo, porque todavia nos cumpre de sairmos, pois doutra guisa que vergonha não seria a nossa? Vermos a cidade cercada pelos nossos inimigos, que querem haver de nós honra e provar para quanto somos, e não curarmos nós disso e ficarmo-los a olhar do muro como mulheres? Não devemos pois consentir que eles levem de nós tal louvor, e que a vergonha fique connosco por os deixarmos chegar aqui à sua vontade, mas saiamos de toda a guisa a eles, e que ninguém haja receio, pois Deus será em nossa ajuda.
Havido este acordo, e terminado o conselho, trabalharam logo de armar-se todos à maior pressa que puderam, de forma que, do maior até ao mais pequeno dos que podiam tomar armas, não ficou nenhum que não se armasse para sair lá fora quando fossem prestes; o principal dos quais era o já nomeado Conde dom Pedro, com quinze escudeiros seus, bem armados, e quarenta homens de pé com eles; e Airas Gonçalves da Feira, que tinha o castelo de Gaia, com quarenta escudeiros bem corrigidos, e também um fidalgo chamado Martim Correia, e outros bom escudeiros com as suas gentes, de guisa que eram por todo, com os da cidade, até setecentos homens de armas e trezentos besteiros, e mil e quinhentos homens de pé.
Era mais nesta companha Gonçalo Peres, escrivão da chancelaria, pai que foi de Luís Gonçalves e de Pero Gonçalves que chamaram Malafaya, ao qual ainda adiante se fará menção e a quem o Mestre, antes disto, havia mandado numa barca com João Ramalho e Nicolau Domingues, homens honrados da dita cidade, para encaminhar coisas do seu serviço.
Este não parava de dizer a uns e a outros: Amigos, saiamos a eles, que não são para nada; nós somos portugueses direitos, e para defender a nossa terra e reino não devemos tomar nenhum receio, mas devemos de todavia pelejar com eles, e defendê-lo (o reino) até à morte, não os deixando subjugarem-nos contra a razão e o direito.
Estando eles todos prestes com grande esforço e vontade, saíram todos cá fora e foram-se posicionar ao chafariz de Mijavelhas, que é a pequeno espaço da cidade, pois, porque não eram encavalgados e era já sobre a tarde, não ousaram de ir mais longe, e atenderam-nos aí; e quando viram que não apareciam tornaram-se para a cidade, e não se fez mais por então.

120. COMO AS GALÉS DE LISBOA CHEGARAM AO PORTO, E SE JUNTARAM AS GENTES DELAS COM OS DA VILA PARA PELEJAREM COM OS GALEGOS.


No outro dia de madrugada armaram-se todos e saíram pela porta do Olival, porque ouviram dizer que por essa parte queriam vir aquelas gentes, e foram-nos aguardar por grande espaço longe da cidade. E estando eles ali, chegaram as galés que mais atrás dissemos que partiram de Lisboa, todas empavesadas e bem corrigidas, e dando às trombetas com grande alegria, e fazendo as suas saudações como é costume dos mareantes, pousaram diante da cidade. Os que não saíram fora e ficaram nela, quando viram as galés, foram muito ledos com elas e mandaram-no logo dizer aos outros. Também os das galés, quando chegaram e lhes disseram como os da cidade tinham saído para pelejar com aquelas gentes, sem outra tardança nem mais traspasso, puseram logo as pranchas para fora e saltaram todos em terra com a bandeira do Mestre tendida diante deles, convém a saber: Gonçalo Rodrigues de Sousa, e Rui Pereira, e Afonso Furtado, e Estêvão Vasques Filipe, e Gonçalo Vasques, filho de Vasco Martins de Melo, e seu irmão, e Antão Vasques, e Airas Vasques dAlvalade e outros fidalgos e patrões de galés, e com eles até trezentas lanças e quinhentos besteiros, e três mil e quinhentos galeotes. Assim que eram ao todo com os da cidade, que já ditos são, mil homens de armas e oitocentos besteiros, e cinco mil homens de pé, todos com grande vontade de pelejar.
Quando os galegos ouviram dizer que as galés de Portugal tinham chegado, e que as gentes delas eram juntas com as da cidade, muito lhes pesou de tais novas, de guisa que de todo perderam a esperança em que dantes estavam; no entanto, porque eram certos que os do lugar não estavam encavalgados, deixaram-se estar de assossego. Os portugueses, quando isto souberam, houveram acordo entre si, dizendo: Pois já que assim é que eles não querem vir a nós, vamos nós buscá-los ali onde estão, e que nenhum se enfade em quanto pudermos andar, porque doutra guisa fariam de nós escárnio.

Então moveram-se todos a caminho de Paramos com as suas bandeiras adiante: a primeira era a do Mestre, que todos haviam de a guardar, e a outra a dos sinais da cidade, e muitos daqueles que assim os viam ir choravam de prazer, dizendo: Senhor Deus, Rei piedoso, sê do nosso bando e ajuda-os contra os seus inimigos.
Indo eles assim regidos em batalha, com grande vontade de pelejar, vieram quatro ginetes da parte dos galegos a descobrir terra e, como os viram ir daquela guisa, deram logo a volta e foram dizer ao Arcebispo e aos outros que eles já apareciam no viso de Paramos. Então cavalgaram todos asinha e passaram águas de Leça, e puseram-se acima da ponte do rio num alto e forte lugar, de jeito que nenhum lhes podia fazer nojo nem passar por aquela ponte sem sofrer mui grande dano.
Aos portugueses, quando os viram daquela maneira, acendeu-se-lhes mais a vontade de pelejar, mas buscando lugar azado por onde passassem a seu salvo, para os fazerem descer daquele monte, nunca o puderam achar, e porque se aproximava a noite aposentaram-se nos mormoirais (monumentos fúnebres) de Leça, e dali mandaram o seu recado ao Arcebispo por um frade da Ordem de são Francisco que chamavam frei Vasco Patinho, o qual chegou até ele e disse: Senhor, aqueles capitães que ali estão com aquelas gentes vos enviam dizer e rogar que vos praza de vos arredardes daqui, de guisa que eles possam passar pela ponte desembargadamente, e que vos ponhais em lugar onde eles vos possam pôr batalha e pelejar convosco.
Amigo, disse o Arcebispo, estas gentes estão aqui juntas, como vós vedes, e se eles a nós quiserem vir, aqui nos acharão prestes para pelejar; que doutra guisa nós não nos mudaremos de como estamos, senão quando virmos que nos cumpre. E esta resposta lhes levai.
Tornou-se o Frade com este recado, depois cerrou-se a noite e puseram as suas escutas pelos caminhos para que não recebessem dano dalguma parte, e fizeram-se muitas fogueiras no arraial e os demais deles vigiaram toda a noite, pois não eram mais longe dos inimigos que um tiro de virotão; e os castelhanos não deixaram de assentar o seu arraial e de mandar as suas azémolas para Braga.

121. COMO OS PORTUGUESES ESCARAMUÇARAM COM OS GALEGOS, E SE FOI O ARCEBISPO.


Foi-se gastando a noite asinha (depressa), que era no mês de Maio, e na alva da manhã, tanto que alvoreceu, os galegos já estavam todos prestes, assim os de cavalo como os de pé, com a sua bandeira tendida dos sinais de Santiago. Os portugueses, quando isto viram, buscavam lugar por onde passassem e não o conseguiam achar, e bem mostravam por fora a grande vontade de pelejar que dentro tinham no coração.
Acabaram por se meter mais acima por uma brenha muito espessa, e acharam um porto (passagem) não bem azado para passar, mas deitaram nele muitos paus e ramos de árvores, e começaram por ali a passar como melhor puderam até trezentos entre besteiros e homens de pé, e também alguns a cavalo, e com eles ia um cidadão do Porto que os acaudelava que chamavam João Ramalho.
Os galegos, quando viram que eles passavam por lugar tão mau, maravilharam-se e disseram: Deixemo-los passar quantos puderem, e depois que forem da parte de aquém, antes que sejam acaudilhados e regidos como cumpre, daremos neles rijamente de volta e assim os desbarataremos.
Os portugueses compreenderam isto, e foram-se mais abaixo procurar outro lugar melhor por onde pudessem ir todos juntos, porém, antes que passassem, os galegos a cavalo e de pé, todos em tropel, vieram dar rijamente naqueles poucos que já eram da parte dalém. Os portugueses, apesar disso, não se arramaram (não debandaram), mantendo-se todos juntos, e começaram uns e outros de se ferir com vontade, porém os besteiros magoavam muito mal os galegos, de guisa que caíram logo mortos um de cavalo e dois de pé, e os demais afastaram-se dali para fora por força.
Falou então o Arcebispo aos seus e disse: Amigos, não reparais como estas gentes vêm a nós, assim como homens que não temem a morte? Certamente grave coisa seria, e não me parece de razão, havermos de nos embrulhar com eles, pois eles trazem muitos besteiros, pelo que hão de nós grande melhoria (vantagem), e matando-nos os cavalos poderíamos asinha ser vencidos, e por isso deixemo-los e vamo-nos a nosso salvo; porque ainda que dois reis estivessem para pelejar, e a um deles viesse gente de treze galés em ajuda, tal vinda lhe daria tanta avantagem e poria o outro em tão grande dúvida que este último bem cuidaria que tal peleja era de escusar, e mormente tal vinda o deve fazer a nós, disse ele.
Então outorgaram todos nisto que o Arcebispo dizia e moveram-se dali e foram-se logo, e em indo alguns portugueses a jeito deles, ladrando-os, deram parte dos galegos volta e foi morto um português. Então deixaram de os seguir e aguardaram aquele dia e a noite seguinte, pensando que os seus inimigos faziam aquilo por arte e porventura ainda tornariam a eles. E depois que souberam que eram já muito alongados, tornaram-se para a cidade com grande prazer.
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sábado, 27 de maio de 2017

CONDE DE FERREIRA (1782-1866) De esclavagista a filantropo



Foi único Barão, Visconde e Conde de Ferreira Joaquim Ferreira dos Santos, que nasceu em Vila Meã (Douro) a 4 de Outubro de 1782 e morreu no Porto a 24 de Março de 1866. Nasce Português, vive londos anos como Brasileiro e morre como Português.

De origem modesta, filho de lavradores pouco abastados, foi destinado à vida eclesiástica, para o que estudou humanidades. Reconhecendo a sua pouca vocação para o estado clerical, dedicou-se à vida comercial, no Brasil e em África, com assinalado êxito, alcançando grande fortuna ao "comercializar" cerca de 10.000 escravos angolanos. Depois de ter sido decretada a abolição da escravatura no Brasil (1830), foi acusado de a perpetuar. "Indignado" com tal acusação decide fazer uma viagem pela Europa. Chega a Portugal em 1832, desembarcando em Lisboa. No final do Cerco do Porto fixa residência na cidade Invicta retomando a sua actividade comercial. Compra acções da Companhia das Lezírias e é um dos fundadores do Banco Comercial do Porto. 

Após algumas atribulações com os seus negócios e a vontade de voltar a obter a sua nacionalidade, no país do Cabralismo, vem a falecer com 84 anos deixando um testamento que o elevou à condição de benemérito.

Num país sem parque escolar polvilhou-o de escolas - 120 - em terras cabeças de concelho, criando um estilo arquitectónico próprio, no qual a casa do professor estava anexa a cada escola. Mandou construir e dotar o Hospital dos Alienados, que mais tarde adoptou o seu nome, equipamento que foi, sem dúvida, uma verdadeira escola de psiquiatria.
Soares dos Reis esculpiu a sua estátua, como agradecimento ao filantropo, e esta encontra-se no seu túmulo no cemitério de Agramonte.

1868
Início da construção do Hospital de Alienados do Conde de Ferreira, na Quinta da Cruz das Regateiras, situada na antiga estrada para Guimarães. A extensa propriedade, com 120.000 m2, com água em abundância e boa exposição higiénica, possibilitava a existência de jardins, prados e terrenos cultiváveis, considerados factores indispensáveis na terapêutica psiquiátrica.
O projecto, cuja arquitectura foi inspirada no Hospício Pedro II, inaugurado a 05 de Dezembro de 1852 no Rio de Janeiro (Brasil), é da autoria de Manuel d'Almeida Ribeiro, arquitecto e professor na Academia Portuguesa de Belas Artes.
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1883
Inauguração do Hospital de Alienados do Conde de Ferreira (24 de Março). 
António Maria de Sena foi convidado pela Misericórdia do Porto para o cargo de Director Clínico, oriundo da Faculdade de Medicina de Coimbra, onde se doutorou com a tese "Análise Espectral do Sangue" e com o trabalho intitulado "Delírio nas Moléstias Agudas", no concurso para professor daquela faculdade.
O Hospital é constituído por um vasto edifício que se desenvolve por quatro grandes alas e dois pavilhões envolvidos por jardins. Em anexo foi construído um pavilhão para observação médico-legal dos criminosos de ambos os sexos, assim como o laboratório. Como complemento existiam estruturas de apoio: oficinas, tipografia, lavandaria, rouparia, cozinha, entre outras. O Hospital era composto por 14 enfermarias, variáveis de acordo com a categoria social, o tipo e a fase da enfermidade dos doentes.