domingo, 21 de abril de 2019

A História dos Arquivos

Desde as placas de argila aos arquivos distritais

Em Portugal, as publicações sobre matéria arquivística não são muito abundantes ao contrário do que sucede com outros países, como é o caso do país vizinho, Espanha, onde se tem publicado uma série de estudos fundamentais para o desenvolvimento da arquivística, entre os quais devemos destacar os estudos: Antonia Herrera Hereria, Archivística general: teoría y prática[1], Boana ZazoLa descripción archivística normalizada: origem fundamentos, principios y técnicas[2]; de Cruz MundetManual de archivística[3]; de Elio Lodolini, Archivística: principios y problemas[4], de Núñez Fernández,Organización y gestíon de archivos[5]; de Mauri Martí e Perpinyá MoreraEstudiar archivística: donde y por qué[6]eamon Alberch Fugueras, Los archivos entre la memoria histórica y la sociedad del conocimiento[7]. No entanto, devido ao trabalho desenvolvido pelo Armando Malheiro da Silva e pela Fernanda Ribeiroocentes do curso de Ciências da Informação da Universidade do Portoblicado uma série de artigos científicos sobre esta temática, assim como os Encontros Nacionais de Arquivos Municipais, as conferências organizadas pela BAD – Associação de Bibliotecários, Arquivistas e Documentais e os trabalhos desenvolvidos pelos alunos de mestrado e de doutoramento em ciências da documentação e da informação, também, têm contribui, efectivamente, para a afirmação da arquivística como ciência independente da história. Na actualidade a arquivística é uma ciência composta por técnicas e procedimentos fundamentais para a conservação ativa dos documentos e para a difusão da informação[8].
O termo Arquivo advém da palavra grega archeion utilizada pelos helénicos nos séculos III e II a.C., para designarem os edifícios onde se exerciam actividades administrativas e de comando e do latim archivum[9]. Nos nossos dias é definido pelo Conselho Internacional dos Arquivos – ICA como:
“o conjunto de documentos, independentemente da sua data, forma e suporte material, produzidos ou recebido por qualquer pessoa física ou moral, e por qualquer serviço ou organismo público ou privado no exercício da sua actividade, conservados pelo seu produtor ou sucessores para sua própria necessidade, ou transferidos para o organismo de Arquivos competente segundo o valor arquivístico; a instituição responsável pela reunião, tratamento, inventário, conservação e comunicação dos Arquivos, também denominado Serviço de Arquivo (ou Arquivo); o edifício ou parte de um edifício onde se conservam e comunicam os arquivos, denominado também depósito de arquivos”[10].
Para Maria Fernanda Mouta o vocábulo arquivo tem vários significados e pode referir-se: ao lugar de conservação dos documentos; ao complexo documental produzido por uma pessoa ou organismo no exercício da sua actividade; à unidade orgânica – estrutural de qualquer organismo, privado ou público; ao serviço público criado para recolher documentos que foram arquivos de pessoas ou organismos e que, ao serem depositados nesse serviço, passam a constituir os fundos; ao edifício onde se encontra instalado o serviço público; ao lugar onde se encontra instalada a documentação depositada no serviço público”[11]. No nosso ordenamento jurídico, Decreto-Lei n.º 16/93, de 23 de Janeiro, artigo 4.º, Arquivo é:
“um conjunto de documentos, qualquer que seja a sua data ou suporte material, reunidos no exercício da sua actividade por uma entidade, pública ou privada, e conservados, respeitando a organização original, tendo em vista objectivos de gestão administrativa, de prova ou de informação, ao serviço das entidades que os detêm, dos investigadores e dos cidadãos em geral”[12].
Os arquivos têm como missão a guarda da memória das nações e das sociedades, o desenvolvimento e o enriquecimento cultural dos povos que os constituíram. As diferenças dos arquivos de hoje para os da antiguidade prendem-se com a melhoria de procedimentos, que os avanços tecnológicos permitiram alcançar, reconfigurando totalmente a profissão de arquivista, além de outros factores como a diversa legislação emanada e, de não menos importância, as novas perspectivas do Homem após a Segunda Grande Guerra. Contudo, os princípios de base permanecem imutáveis desde as primeiras abordagens teóricas sobre a arquivística: o respeito pela precedência, estrutura, normas de classificação e descrição. Segundo Robert H. Bautier, a história dos arquivos pode-se decompor em quatro grandes períodos:
  1. A época dos arquivos dos templos e palácios, a Antiguidade;
  2. A época dos cartórios, Idade Média, séculos XII-XV;
  3. A época dos arquivos como arsenais da autoridade, séculos XVI e princípios do século XIX;
  4. A época dos arquivos como laboratórios da história, princípios do século XIX até meados do século XX[13].
As civilizações pré-clássicas já conservavam escritos de índole diversa. Os mais antigos remontam ao quarto milénio a.C., às civilizações do Vale do Nilo e da Mesopotâmia. Em Ebla, os arqueólogos encontraram várias placas de argila com escrita cuneiforme, representativa de um vasto número de documentos adstritos à organização governamental[14]. Essa documentação era acondicionada junto aos Palácios e Templos, pois além de estar mais próxima das classes dirigentes, acreditava-se que era protegida pelas divindades. Como refere Armando Malheiro da Silva o Palácio de Ebla, dispunha, pois, de um verdadeiro sistema assente numa rede de depósitos de arquivo, cada um dos quais ligados a uma área administrativa e, em certa medida, responsável por um conjunto especializado de documentos”[15]. Percebe-se, desde logo, a importância que esses arquivos usufruíram para o desenvolvimento e reorganização das sociedades antigas e o complexo grau de concepção segundo o qual foram constituídos.
Os arquivos gregos e romanos, já de elevada estrutura conceptual eram um papel importante para desenvolvimento da gramática arquivística e foram entendidos em ambas as civilizações como entidades orgânicas, visto que tanto elénicos como os romanos criaram entidades próprias: o Arkheion e o Tabularium. Para além dessa orgânica, tinham responsabilidades específicas para o seu uso, deliberadas pelos instrumentos jurídico-administrativos que estabeleciam o valor probatório do documento escrito.
Outro aspecto relevante concerne que, em ambos os períodos, pré-clássico e clássico, os arquivos adquiriram um carácter eminentemente público aliado a uma relação direta entre a gestão do poder e a gestão dos documentos[16]. A constante necessidade de fixar e de registar os acontecimentos trouxe, com o evoluir das civilizações, novas técnicas para a fixação da escrita, fruto de novas descobertas de novos materiais, como o papiro e o pergaminho. Todavia, a rápida deterioração desses materiais e o seu carácter pouco funcional, exemplo disso são os Volumino (rolos), que dificultavam a leitura, o leitor para os manter abertos tinha de utilizar as duas mãos, foram decisivos para a progressiva adoção do papel. Este tem as suas origens na China, na dinastia de Han, quer volta do século IIiu surgir um novo suporte de escrita. A sua utilização disseminar-se-á por toda Europa, particularmente depois do século XIV, por ser ais barato, e, por possuir uma maior capacidade de absorção e de retenção das tintas.
Na Idade Média, a instabilidade social dos povos não contribuiu para a preservação da documentação antiga. A época era de decadência do documento escrito, muito motivada pela queda do Império Romano, que se baseava no valor probatório dos documentos, ao invés dos povos germânicos e do seu direito, com base na oralidade e no testemunho. Com efeito, é nos reduzidos espaços das instituições religiosas, mais conscientes da necessidade de se conservar o documento ocorrem as primeiras transcrições em formato de compilação de obras referência. Segundo Maria Azevedo Santos, entre os séculos VI e XII, o acesso à cultura era limitado, praticamente aos membros da Igreja e as populações leigas das cidades e dos campos permaneciam analfabetas, o que constituía um mecanismo de discriminação. Porque em primeiro lugar estabelecia uma divisão social entre alfabetizados e analfabetos e, em segundo lugar conhecia a importância do valor da escrita e dos documentos escritos. Quem conhecia a escrita detinha um enorme poder e influência sobre as populações iletradas[17]. Todavia, durante o século XII e XIII desenvolve-se o poder concelhio e por consequência firmam-se os arquivos municipais. O poder da escrita que estava na posse dos eclesiásticos é alargado a outros agentes: aos tabeliães e, posteriormente, aos escrivães, devido à concepção e confirmação de cartas de foro e de privilégios pelo Conde D. Henrique, pela Rainha D. Teresa e pelos reis D. Afonso Henriques, Sancho I, D. Afonso II, D. Afonso III e D. Dinis o segundo outorgou mais de seis dezenas de forais e, o último mais de oito. Terminada a conquista, era tempo de povoar; acabados os lucros da guerra, era urgente fomentar os da paz[18].
A génese dos arquivos municipais está registada nas Ordenações Afonsinas, onde se assenta que o rei D. João I ordenou que em todas as câmaras o escrivão tivesse um livro de pergaminho organizado segundo os acontecimentos administrativos ocorridos todos os escrivães das câmaras copiassem num livro de pergaminho, bem encadernado e coberto, todas as escrituras pertencentes aos concelhos, quer as existentes, quer as que viessem a fazer-se no futuro, tanto de rendas como de direitos e privilégios, sentenças, mercês, etc., com as respectivas datas e nomes dos outorgantes”[19]. As Ordenações Manuelinas eFilipinas outorgaram no mesmo sentido, pela criação de condições infraestruturais e humanas para a preservação dos autos escritos para memória futura:
“que mandarão os vereadores fazer os cofres necessários para as eleições e as arcas e armários para as escrituras e outras coisas que nelas hão-de ser bem guardadas (…) e farão guardar numa arca grande e boa todos os forais, tombos, privilégios e quaisquer outras escrituras, que pertencem ao concelho. A qual arca terá duas fechaduras, das quais terá uma chave o escrivão da câmara e outra um dos vereadores (…) e (…) que nunca se tirará escritura alguma da dita arca, salvo quando for necessária para se ver, ou trasladar, então somente a tirarão na casa da câmara onde a dita arca estiver, e acabado aquilo para que foi necessária, deve ser colocada logo na dita arca, e isto sob a pena do escrivão da câmara perder O oficio e o vereador que tiver a outra chave ficar sujeito à justiça régia (…)[20].
Da documentação produzida nesses séculos, grande parte perdeu-se pela incúria dos homens. Apenas no século XVIII e com personalidades como Frei de Joaquim Santo Agostinho e José Pedro Ribeiro, incumbidos pela Academia das Ciências, se retoma a consciência de inventariar e avaliar o valor histórico dos acervos do Reino. Alexandre Herculano, no século seguinte, desempenhará semelhante papel visitou os cartórios do Reino em busca de documentos que viriam a ser publicados nos Portualiae Monumenta Historica.
Na transição da Baixa Idade Média para a Idade Moderna formaram-se os Estados, e por consequência administrações públicas e senhoriais tornaram-se cada vez mais complexificadas, obrigando as classes dirigentes a repensarem a organização da informação e a sua respectiva acomodação. Em Portugal, a forma como a Coroa Portuguesa dirigiu o seu sistema arquivístico, na Torre do Tombo, serviu de base à organização e criação do regulamento para o Arquivo Geral de Simancas, por Filipe II, que no artigo 12º dizia o seguinte
“ordem de papeles (…) que cada uno en su tiempo tenga particular cuydado de que los dichos libros esten y permanezcan siempre en da dicha buena orden y concierto, y que de mesma manera se pongam los que mas huuiere y se lleuarem al dicho archiuo em todas las otras pieças y alhacencas que se fuerem acabando, de manera que en todas partes esten com la mayor pulicia y concierto, distinçion y claridade que fuere possible, para que com facilidad se pueda hallar lo que se buscare, pues a esto na de ayudar assimismo los dichos officiales (…)”[21].

Nessa época, os arquivos tinham as suas normas já fixadas, possuindo um carácter essencialmente jurídico-administrativo, que mais tarde se altera significativamente, fruto do pensamento e práticas iluministas sobre a organização dos arquivos, por volta do século XVIII. A corrente francesa desta concepção influenciará vários países, entre eles Portugal. A reorganização da Torre do Tombo, após o terramoto de 1755, revelará essa influência. O período absolutista, no século XVIII, trouxe uma nova visão dos arquivos assente na influência do Estado na grande concentração de documentos em depósitos únicos.
A queda do absolutismo, com a Revolução Francesa, no século XVIII, e o surgimento dos movimentos liberais influenciados pelos ideais de 1789, determinaram a nacionalização dos bens e posses das classes anteriormente favorecidas, o que veio a revelar a existência de um património documental de enorme valor nos cartórios da nobreza e do clero. Após a extinção das ordens religiosas, em 1834, os cartórios das igrejas e das corporações religiosas foram incorporados na Torre do Tombo onde se misturam “diversos cartórios sob uma ordem geral cronológica e/ou temática”[22]. Segundo Armando Malheiro, assistiu-se desde então a uma série de transformações na arquivística, implicando o seu salto qualitativo e a sua afirmação como ciência emergente[23]. Para Ramon Alberch Fuguerassta mudança de paradigma na arquivística só foi possível devido: à afirmação dos arquivos como propriedade da nação; à concentração em grandes depósitos de documentos das instituições centrais do Estado, onde o carácter ideológico eliminou os documentos que aludiam ao anterior sistema feudal, sendo que o novo enquadramento possibilitou uma maior abertura para a consulta e preservação de fundos; ao desenvolvimento da história crítica, influenciada pelo romantismo e pelo nacionalismo converteram os arquivos em institutos de investigação e de cultura e a criação de órgãos especializados para a direcção da política arquivística, geralmente adstritos ao ministério da cultura e da educação de acordo com a percepção dos grandes depósitos de arquivos como centros de investigação; a abertura dos arquivos ao cidadão comum, assim como a criação de escolas especializadas na formação de arquivistas. Entre essas escolas devemos destacar de Nápoles (1811); l´École de Chartes, em Paris (1821); la Bayerische Archivschule en Munich (1821); o Instituto de Osterreichische Geschichtsfourschung, em Viena (1854); a Escola de Diplomática, em Madrid (1856) Escola Vaticana, em Roma (1884). O aumento da produção documental e a criação dos arquivos nacionais obrigaram à organização de grandes volumes de documentos, circunstância que constituiu um autêntico desafio para a arquivística.
O século XX trouxe medidas decisivas para a reorganização das Bibliotecas e Arquivos nacionais “que não se mostraram numerosos nem se achavam completamente organizados (…). Para lá do Arquivo da Torre do Tombo, em Lisboa, e de alguns mais, fora da capital, a documentação histórica achava-se em estado caótico de arrumação e conservação, dependendo mais de interesse e boas vontades locais (…)”[24]. Segundo os ideais republicanos Bibliotecas e Arquivos não se deviam limitar à conservação dos livros e dos documentos, mas sim torna-los úteis e de livre acesso
“no interesse da Patria e da Republica, urge que as Bibliotecas e Archivos portugueses operem a cultura mental, funccionando como universidades livres, facultando ao povo, na lição do livro, o segredo da vida social moderna; destruindo a ignorancia, que foi o mais forte sustentaculo do antigo regime; investigando, no documento do passado, o papel de Portugal na civilização”[25] (…) “Para o antigo regime, o perigo era pensar; para a Republica, o perigo é a ignorancia, crime publico, attentado contra a patria, tão prejudicial no operário como no burguês, confinando aquella barbara depressão da miseria, inutilizando-lhe o esforço pela incapacidade profissional e anullando este na rotina e na incultura (…)”[26].
Com esse fim foi restruturado o Arquivo Nacional da Torre do Tombo e criada a Inspeção das Bibliotecas Eruditas e Arquivos. Com Júlio Dantas responsável por esse organismo, surgem as primeiras medidas de descentralização e os arquivos adquirem uma nova importância, nascendo a Rede Nacional de Arquivos, com o advento dos Arquivos Distritais “(…)partir de 1916, também muita documentação diocesana veio a ser neles incorporada (…)”[27]. Todavia, fruto da “falência da 1ª República”, a falta de recursos financeiros e humanos, muitas das ideias e projectos não tiveram uma materialização efectiva. Porém, fica a herança de um programa bem estruturado e de um enquadramento legal que antecipava a visão moderna de arquivo público. Paulatinamente produção de informação administrativa avolumou-se e um novo problema surge: a avaliação e selecção correta dos documentos e a sua posterior eliminação. Como refere Fernanda Ribeiro o:
“fenómeno da chamada explosão documental (…) abrangeu (…) informação produzida por estruturas administrativas de todo o género. Em face do crescente volume de documentação produzida e devido à saturação dos arquivos ditos históricos (…) o problema da avaliação e das eliminações ganha particular importância. (…) surge uma estrutura artificial – com o nome de pré-arquivo ou arquivo intermédio - destinada a receber os documentos considerados desnecessários para as entidades produtoras e que deveriam ser sujeitos a uma avaliação e posterior triagem, com vista à futura incorporação nos arquivos históricos (…)”[28].
A partir dos anos 80, a Comissão Ad Hoco Conselho Internacional de Arquivos começou a debater as primeiras regras gerais para a normalização arquivística e identificou como principal objectivo o de garantir o acesso normalizado à informação:
“porque a tarefa de qualquer pessoa que consulte um instrumento de descrição ou uma série de instrumentos de descrição será mais fácil se toda a informação se apresentar segundo os mesmos princípios e os mesmos standards de correção e de conhecimento, assim o usuário poderá confiar na integridade da sua apresentação. Apropriadas, porque o tempo da investigação é demasiado valioso para ser dispensado à procura nas montanhas de informação”[29].
Neste sentido, em 1988, em Ottawa, é reformulada a ISAD – Internacional Standard Archives Description, com o fim de se converter numa norma internacional da arquivística e de ser a “ponta de lança” de um programa de normalização, que se propor a identificar e a sistematizar o uso das componentes básicas da descrição arquivística. A ISAD (G) – Norma Internacional de Descrição Arquivística inspirou-se nas suas precedentes: APPM – Archives Personal Papers and Manuscripts, nascidas no continente norte-americano. A MAD – Manual for Archival Description, de origem inglesa e as normas RAD – Rules forem Archival Descrition, desenvolvidas pelos arquivistas canadianos, têm como objetivos (…) “assegurar a produção de descrições consistentes, apropriados e auto explicativos, facilitar a recuperação e a troca de informação sobre o documento de arquivo, possibilitar a partilha de dados de autoridade e tornar possível a integração de descrições provenientes de diferentes entidades detentoras num sistema unificado de informação”[30]. A actual ISAD é composta por vinte seis elementos que podem ser utilizados numa descrição, mas é possível utilizar somente partes deles para elaborar uma determinada descrição arquivística. Estes encontram-se organizados em sete zonas de informação descritiva:
  1. “Zona da identificação (destinada à informação essencial para identificar a unidade de descrição);
  2. Zona do contexto (destinada à informação sobre a origem e custódia da unidade de descrição);
  3. Zona do conteúdo e estrutura (destinada à informação sobre o assunto e organização da unidade de descrição);
  4. Zona das condições de acesso e de utilização (destinada à informação sobre a acessibilidade/disponibilidade da unidade de descrição);
  5. Zona da documentação associada (destinada à informação sobre documentação com uma relação importante com a unidade de descrição);
  6. Zona das notas (destinada à informação especializada ou a qualquer outra informação que não possa ser incluída em nenhuma das outras zonas);
  7. Zona do controlo da descrição (destinada à informação sobre como, quando e por quem foi elaborada a descrição arquivística)”[31].
Em resposta à ISAD (G) surgiu um conjunto de normas mais específicas: a ISAAR (CPF) – Norma Internacional de Registo de Autoridade Arquivística para Pessoas Coletivas, Pessoas Singulares e Famílias. Esta norma tem como objectivo a partilha de descrições dos produtores de documentos, promover a preparação de descrições consistentes, apropriadas e auto explicativas das pessoas colectivas, das pessoas singulares e das famílias que os produziram. Foi concebida para ser utilizada em conjugação com as normas nacionais existentes, ou para servir de base ao seu desenvolvimento”[32]. A ISDF – Norma para a Descrição de Fundosermite a descrição das funções de uma forma normalizada, contudo, deve ser complementada com as descrições desenvolvidas com base na ISAD (G) e na ISAAR (CPF). O objectivo desta norma contempla “o controlo da criação e utilização de pontos de acesso normalizados e a criação e caracterização de relações entre as funções/actividades autoridades arquivísticas e a própria documentação”[33].
Um dos grandes problemas actuais da arquivística prende-se com a aplicação das normas internacionais, as quais têm, nos últimos anos, levantado uma série de questões e de discussões. As normas internacionais foram criadas com o propósito de desenvolver uma estrutura coerente de elementos informacionais, passíveis de integrar qualquer descrição arquivística, independentemente do seu objecto e da sua finalidade. Contudo, estas não têm conseguido responder, por diversas razões, às necessidades das diferentes tradições arquivísticas executadas internacionalmente.
Os primeiros arquivos distritais surgem durante a Primeira República, em 1916 e 1917, com o objetivo de descentralizar a documentação do Arquivo Nacional da Torre do Tombo[34], uma vez que este encontrava,uma fase de rutura. A implantação dos arquivos distritais, no nosso país, foi um processo longo e difícil que só terminou nos anos 80 com a abertura ao público do Arquivo Distrital de Castelo Branco. O Decreto-Lei n.º 19.952, de 27 de junho de 1957, estabeleceu que era da competência das Juntas Gerais de Distrito ou das comissões executivas dos municípios criar todas as condições necessárias para instalação e funcionamento dos arquivos distritais, que ficavam na dependência da Inspeção das Bibliotecas e Arquivos. Nos arquivos distritais deveria ser incorporada toda a documentação proveniente dos:
cartórios paroquiais; dos cartórios notariais; dos cartórios das Sés, colegiadas e cabidos; dos processos cíveis, crimes e orfanológicos findos; dos papéis dos extintos mosteiros, existentes nas inspecções e repartições de finanças; dos papéis das repartições extintas e serviços cessantes; dos documentos das congregações religiosas extintas em 1911, ainda em poder das comissões locais de administração dos bens das igrejas; todos os outros documentos que, nos termos da lei geral do País, devem recolher aos arquivos do Estado”[35].
As câmaras municipais, confrarias, Misericórdias, hospitais e outras entidades poderiam depositar, no todo ou em parte, os documentos existentes nos seus arquivos no arquivo distrital ou nos arquivos gerais do Estado. Posteriormente, no ano de 2004, foi publicado o Decreto-Lei n.º 47/2004, de 3 de Março, que redefiniu o regime geral de incorporações da documentação de valor permanente nos arquivos públicos. São de incorporação obrigatória nos arquivos distritais:
  • “A documentação produzida pelos serviços da administração central desconcentrada da respectiva área;
  • A documentação produzida por empresas públicas situadas na área geográfica correspondente à sua sede;
  • Os arquivos de serviços extintos e documentação proveniente de funções extintas em organismos e serviços da administração central desconcentrada da respectiva área”[36].
Segundo o Decreto – Lei de n.º 149/83, de 5 de Abril, artigo 2.º, os arquivos distritais, na prossecução das suas atribuições devem respeitar o cumprimento das normas que regulam as incorporações obrigatórias de documentação; recolher os documentos relativos à administração e poder local; tratar os fundos documentais e elaborar os instrumentos de pesquisa: guias e inventários e fornecer apoio técnico arquivístico aos arquivos do distrito que o requeiram; organizar actividades para a promoção dos seus espaços e fundos e pronunciar-se sobre a transferência ou permuta de documentos entre os arquivos da região”[37].
Apesar das medidas tomadas pela Inspecção das Bibliotecas Eruditas e Arquivos em prol da organização dos Arquivos Distritais e da legislação publicada, estes, em 1948, sofriam de inúmeras deficiências, fruto dos espaços onde foram instalados, antigos edifícios da nobreza e do clero, do número significativo de documentos que neles foram incorporados, assim como da alta de recursos humanos e técnicos. Numa carta enviada pelo Director do Arquivo Distrital de Ponta de Delgada à Inspecção de Bibliotecas e Arquivos, em 1948, foram apresentadas as inúmeras deficiências do arquivo ao nível do acondicionamento, preservação e organização da documentação. Segundo o director do Arquivo, o acondicionamento dos documentos sempre fora mau. Mas“nos últimos anos devido à incorporação de diversos documentos o arquivo já não tem espaço para incorporam novos documentos. Devido a este facto muitos livros encontram-se no chão, em cima e por baixo das mesas, em pé e outros empilhados”[38]. Os livros tinham um bom aspecto superficial, “o que facilita a limpeza do aspirador eléctrico de todas as estantes abertas e dos recantos, mais escuros, onde se acumulam as poeiras. Quanto o interior dos volumes, é mau o estado de muito dos colocados em estantes abertas, nomeadamente no fundo a antigo, sendo atacados por anobídeos e lepismas[39]. A higienização dos documentos era realizada com “a periocidade possível, porém todas as espécies em estantes abertas já atacadas pelos insectos bibliófagos, são batidas e limpas, por serventes do sexo feminino”[40]. Ao nível organizativos documentos eram arrumados de forma “desordenada e fragmentária de vários núcleos, determinada pela aflitiva falta de espaço, o que não permitia fazer a organização biblioteconómica estabelecida pelas normas gerais. A falta de pessoal concorre ainda para esta deficiência”[41].
Durante o Estado Novo, os arquivos distritais foram abandonados pelo poder central. Em alguns casos foram os próprios municípios a dedicar-lhes alguma atenção, investindo na criação de condições próprias para a sua instalação e para a contratação de pessoal habilitado para os tratar adequadamente. A partir dos anos 80, até à atualidade, assiste-se a uma melhoria, paulatina, no acondicionamento, preservação/conservação e organização dos documentos nos arquivos distritais. A adesão de Portugal à Comunidade Europeia, em 1986, possibilitou a ratificação e a transposição das directivas comunitárias para o nosso ordenamento jurídico, da criação do Instituto Português de Arquivos - IPA, pelo Decreto-Lei nº 152/88, de 29 de Abril. Pela primeira vez surge, no nosso país, uma entidade com a missão de:
“definir uma política arquivista no País; superintender técnica e normativamente nos arquivos dependentes do departamento de cultura, bem como em todos os arquivos do Estado, autarquias locais e empresas públicas, e ainda em todos os conjuntos documentais, que, nos termos da lei, venham a ser classificados como integrando o património arquivístico nacional; superintender administrativamente nos arquivos dependentes do Instituto Português do Património Cultural – IPPC; elaborar e propor planos nacionais de tratamento, preservação e difusão do património arquivístico, nomeadamente de reprografia, de informatização e restauro; promover a classificação de bens arquivísticos e definir e executar programas de formação para os profissionais do sector em colaboração com entidades competentes”[42].
No ano de 1992, o IPA funde-se com o Arquivo Nacional da Torre do Tombo – ANTT, cuja orgânica foi aprovada pelo Decreto-lei n.º 106-G/1992, de 1 de Junho. No ano de 1996, o Decreto-lei n.º 42/96, de maio, é criado o Ministério da Cultura, este novo organismo estatal “veio redefinir a política de Bibliotecas e Arquivos com a extinção do Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro e das Bibliotecas como pessoas colectivas de direito publico funcionando sob a tutela do Ministro da Cultura”[43]. Actualmente, a entidade coordenadora do sistema nacional de Arquivos, Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas - DGLAB, tem, entre as suas atribuições, a superintendência técnica, a realização de acções de auditoria em todos os Arquivos do Estado, autarquias locais e empresas públicas, promoção do desenvolvimento e qualificação da Rede Nacional de Arquivos e de dinamizar a comunicação entre as diversas entidades envolvidas[44]. Outro promotor do desenvolvimento qualitativo dos Arquivos tem sido a organização de classe BAD – Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas, que, quer pelas suas jornadas do sector quer pelas sucessivas acções de formação, tem criado espaço suficiente para os decisores políticos se consciencializarem da vital importância que os arquivos têm na gestão documental e como veículo de memória local e colectiva.
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[1] HEREDIA HERRERA, Antonia, Archivística general: teoría y práctica, Sevilla, Diputación Provincial, 1988.
[2] BONAL ZAZO, José Luis, La descripción archivística normalizada: origen, fundamentos, principios y técnicas, Gijón, Trea, [2001].
[3] CRUZ MUNDET, José Ramón, Manual de archivística. Ed. corregida y actualizada. Madrid: Fundación Germán Sánchez Ruipérez, 2005.
[4] LODOLINI, Elio, Archivística: principios y problemas, Madrid, ANABAD, 1993.
[5] NÚÑEZ FERNÁNDEZ, Eduardo – Organización y gestión de archivos. Gijón: Trea,1999.
[6] MAURI MARTÍ, Alfred; PERPINYÀ MORERA, Remei, Estudiar archivística: donde y por qué, Gijón, Trea, 2008.
[7] ALBERCH FUGUERAS, Ramon, Los archivos, entre la memoria histórica e la sociedad del conocimento, Barcelona, Editorial UOC, 2003.
[8] CRUZ MUNDET, José Ramón, op. cit. p. 55.
[9] Cfr. SILVA, Armando Malheiro, A informação. Da compreensão do fenómeno e construção do objeto científico, Porto, Edições afrontamento, [S.d.], pp. 137-138.
[10] Internacional Council on Archives, Section on Archival, 2009. [em linha] [consul. 26.03.2012]. Disponível em www.<url:http:/ica.org.
[11] MOUTA, Maria Fernanda, O Arquivo, Termos, Conceito e Definição, Viseu, Edição da autora com o patrocínio do Governo Civil de Viseu, 1989, pp. 16 - 17
[12] Decreto-Lei n.º 16/93, de 23 de Janeiro, artigo 4.º
[13] BAUTIER, Robert H., La phase cruciale de l´histoire des archives: la constituion des depôts d´archives et naissance de l´archivistique (XVI – début XIX siécle), pp. 139-151. Archivum, n.º XVIII, 1968.
[14] REAS, Luís, O arquivo e arquivística evolução histórica, Évora, Universidade de Évora, 2006, p.3.
[15] SILVA, António Malheiro da … [et al], Arquivística, Teoria e Prática de uma Ciência da Informação (Volume I), Porto, Edições Afrontamento, 1999, p. 51.
[16] ALBERCH FUGUERAS, Ramom, op. cit., p. 31.
[17] SANTOS, Maria José Azevedo, Ler e compreender a escrita na Idade Média. Lisboa, Edições Colibri, Coimbra, Faculdade de Letras, 2000, p. 83.
[18] SERRÃO, Joel (dir) e MARQUES, A.H. de Oliveira (coord.), Portugal em definição de fronteiras, Nova História de Portugal, Lisboa, Presença, 1991, p. 576.
[19] PEIXOTO, António Maranhão, Arquivo Municipal de Viana do Castelo: proposta de uma solução global, p. 179, III Encontro Nacional de Arquivos Municipais, 24, 25 e 26 de junho de 1993, (Org.) BAD – Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas, Arquivo Municipal de Alfredo Pimenta – Guimarães, Arquivo Municipal de Viana do Castelo.
[20] PEIXOTO, António Maranhão, op. cit., 179.
[21] Idem, Ibidem.
[22] RIBEIRO, Cândida Fernanda, Acesso à informação nos arquivos - PARTE I - O acesso à informação no quadro de desenvolvimento dos arquivos em Portugal” [em linha] [consul. 26.02.2012]. Disponível em www.<url: http://ler.letras.up.pt/site/default.aspx?qry=id06id131&sum=sim.
[23] SILVA, António Malheiro da, [et al], op. cit., p. 51
[24] SERRÃO, Joel (dir) e MARQUES, A.H. de Oliveira (coord.), Portugal: da Monarquia para a República, Nova História de Portugal, Lisboa, Presença, 1991, p. 582.
[25] RIBEIRO, Fernanda, Acesso à informação nos arquivos - PARTE III – A afirmação e o desenvolvimento da técnica arquivística (de 1887 à atualidade), p. 591” [em linha] [consul. 26.02.2012]. Disponível em www.<url: http://ler.letras.up.pt/site/default.aspx?qry=id06id131&sum=sim
[26] Idem, Ibidem.
[27] RIBEIRO, Fernanda, “Acesso à informação nos arquivos - PARTE I - O acesso à informação no quadro de desenvolvimento dos arquivos em Portugal” [em linha] [consul. 26.02.2012]. Disponível em www.<url: http://ler.letras.up.pt/site/default.aspx?qry=id06id131&sum=sim.
[28] RIBEIRO, Fernanda, “Acesso à informação nos arquivos - PARTE I - O acesso à informação no quadro de desenvolvimento dos arquivos em Portugal” [em linha] [consul. 26.02.2012]. Disponível em www.<url: http://ler.letras.up.pt/site/default.aspx?qry=id06id131&sum=sim.
[29] ALBERCH FUGUERAS, Ramon, op cit, p. 138.
[30] CONSELHO INTERNACIONAL DE ARQUIVOS, ISAD (G) Norma Geral Internacional de Descrição Arquivística. Adotada pelo Comité de Normas de Descrição, Estocolmo: Suécia, 19-22 de Setembro de 1999. 2.ª ed. Lisboa: IAN/TT, 2002,p. 9.
[31]CONSELHO INTERNACIONAL DE ARQUIVOS, ISAD (G) Norma Geral Internacional de Descrição Arquivística. Adotada pelo Comité de Normas de Descrição, Estocolmo: Suécia, 19-22 de Setembro de 1999. 2.ª Ed. Lisboa: IAN/TT, 2002,p. 11.
[32] CONSELHO INTERNACIONAL DE ARQUIVOS, ISAAR (CPF):Norma Internacional de Registo de Autoridade Arquivística para Pessoas Coletivas, Pessoas Singulares e Famílias, p. [em linha] [consul. 26.02.2012]. Disponível em http://dgarq.gov.pt/files/2008/10/isaar.pdf
[33] CONSELHO INTERANACIONAL DE ARQUIVOS, ISDF: Norma internacional para descrição de funções. [em linha] [consul. 26.02.2012] [Disponível http://www.portalan.arquivonacional.gov.br/media/ISDF.pdf>.
[34] DANTAS, Júlio, Criação e organização dos arquivos distritais, Anais das Bibliotecas e Arquivos, Lisboa. 2ª série. 10 (1932) 8.
[35] Decreto-Lei n.º 19.952, de 27 de Junho de 1957
[36] Decreto-Lei n.º 47/2004, de 3 de Março, artigo 3.º
[37] Cfr Decreto-Lei n.º 149/83, de 5 de Abril, artigo 2.º
[38] Biblioteca Publica e Arquivo Distrital de Ponta Delgada (1946-1948), p. 78, Anais das Bibliotecas e Arquivos, vol. XX – n.º 75 e 76 Lisboa, (1932)
[39] Idem, Ibidem.
[40] Idem, Ibidem.
[41] Idem, Ibidem
[42] Cfr Decreto-Lei nº 152/88, de 29 de Abril, artigo 2.º.
[43] SANTOS, António Sá e BICAS, Maria Margarida Meira, Legislação aplicada às bibliotecas, arquivos e documentação, Lisboa, VISLIS EDITORES LDA, 1999, p. 16.
[44] Cfr Portaria n.º 192/2012, de 19 de Junho.

André Lopes

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019



Os Lusíadas


A primeira edição dos Lusíadas viu a luz do dia em Março de 1572.

Mais de uma centena de estrofes, divididas por dez cantos, contam as glórias dos portugueses nas suas aventuras pelo mundo.

Primeira Edição dos Lusíadas (carregue no título abaixo)

Os Lusíadas