segunda-feira, 19 de maio de 2025

A Evolução dos Carros Funerários em Portugal: Da Tradição à Modernidade

 Das Andas aos Carros de Tração Animal

Nos tempos mais remotos o transporte dos mortos era feito por meio de andas, liteiras ou féretros processionais carregados por homens ou por meio de carros de tração animal. Desde a Idade Média, as procissões fúnebres constituíam eventos públicos e solenes, especialmente entre as elites, e os esquifes eram levados em carruagens fúnebres ornamentadas, puxadas por cavalos.

Esses carros, frequentemente enfeitados com cortinas pretas, franjas douradas e símbolos religiosos, eram projectados para exibir o caixão com dignidade e decoro. Em muitas cidades europeias, existiam carroças fúnebres específicas alugadas por famílias ou oferecidas por irmandades e ordens religiosas.

 

https://pt.topwar.ru/242510-pohorony-v-drevnej-mesopotamii.html







1. Os primórdios: carros de tração animal

          
Até finais do século XIX, o transporte dos corpos para o local de sepultamento era realizado em carros puxados por cavalos ou bois. Estes veículos pertenciam frequentemente às irmandades religiosas, como a Santa Casa da Misericórdia, e eram utilizados segundo regras e protocolos específicos, muitas vezes associados ao estatuto social do falecido. Os carros eram em geral construídos em madeira, com decoração cuidada e podiam incluir elementos simbólicos como cruzes, caveiras ou dosséis. Para além da sua função prática, tinham uma forte carga simbólica e religiosa, dazendo parte integrante dos cortejos e procissões que acompanhavam o falecido.


2. A introdução da motorização no século XX

Com a entrada do século XX, assiste-se à introdução dos primeiros carros funerários motorizados, com destaque para a adaptação de veículos como o Ford T. Esta transição, no entanto, foi gradual, com a coexistência de carros de tração animal e automóveis nas primeiras décadas. Os carros motorizados trouxeram maior eficiência, conforto e higiene ao transporte funerário, marcando o início da modernização do sector.




https://restosdecoleccao.blogspot.com/2009/10/e-os-carros-funerarios.html


Durante a segunda metade do século XX, particularmente entre as décadas de 1950 e 1980, o setor funerário em Portugal passa por um processo de profissionalização e padronização. Os carros funerários ganham uma imagem mais institucional, com linhas discretas, cores escuras (preto, cinzento) e interiores preparados para garantir dignidade e respeito no transporte da urna funerária. O serviço de funerais passa a ser oferecido por empresas especializadas, muitas delas de caráter familiar, que introduzem protocolos de atuação, uniformização de trajes e serviços integrados.


4. Da sofisticação à personalização (1990–atualidade)

Com o advento da globalização e da evolução tecnológica, os carros funerários passam a refletir uma maior sofisticação e adaptação às expectativas das famílias. Marcas como Mercedes-Benz, Volvo e Jaguar são frequentemente adaptadas para uso funerário, oferecendo não apenas conforto e estética, mas também tecnologia. Os veículos passam a incluir compartimentos próprios para flores, iluminação adequada e climatização. A par desta sofisticação, emerge também uma tendência crescente de personalização dos funerais, com carros temáticos, opções ecológicas e até veículos elétricos, refletindo valores contemporâneos como a sustentabilidade e o respeito pelo ambiente.





5. Património, memória e preservação

Alguns dos exemplares históricos dos carros funerários portugueses encontram-se atualmente preservados em museus e arquivos, como no Museu da Misericórdia do Porto, onde se podem observar veículos utilizados em cerimónias fúnebres dos séculos XIX e XX. Estes artefactos constituem importantes documentos materiais do património funerário e religioso nacional, permitindo estudar não apenas a evolução técnica, mas também os rituais e práticas sociais ligados à morte.






A trajetória dos carros funerários em Portugal evidencia um processo de transição cultural marcado pela passagem do coletivo religioso para o serviço profissional e individualizado. Ao mesmo tempo, revela como as sociedades moldam os seus rituais à medida das transformações tecnológicas, mantendo, ainda assim, elementos simbólicos e afetivos constantes. A história destes veículos é, portanto, também a história de como o país honra os seus mortos — com solenidade, respeito e, cada vez mais, com consciência personalizada.


















quinta-feira, 15 de maio de 2025

A História do Caixão: Da Função Prática ao Símbolo Cultural

O caixão — também conhecido como ataúde, esquife, féretro ou urna funerária — é um dos objectos mais antigos associados aos ritos funerários da humanidade. Ao longo do tempo a sua forma, função e simbolismo evoluíram de acordo com factores culturais, religiosos, sociais e tecnológicos.

Origens e Antiguidade

A mais antiga evidência arqueológica de um caixão de madeira foi identificada na Tumba 4 do sítio de Beishouling, localizado na província de Shaanxi, na China. Datada de aproximadamente 5.000 a.C., esta descoberta representa um marco significativo na história das práticas funerárias humanas, pois sugere que, já no período Neolítico, havia uma clara preocupação com o tratamento do corpo após a morte e com sua separação simbólica do solo. Os restos identificados consistem em fragmentos de madeira organizados em torno de um esqueleto, interpretados pelos arqueólogos como os vestígios de uma estrutura retangular de madeira, possivelmente um caixão primitivo ou uma espécie de esquife. Embora rudimentar, essa construção demonstra a intenção de proteger e isolar o corpo — prática que perduraria ao longo dos milénios.

A cultura material de Beishouling, pertencente ao Neolítico inicial na região do rio Amarelo, já apresentava sinais de sedentarismo, desenvolvimento agrícola e estruturas sociais organizadas. A presença de um caixão sugere também um pensamento simbólico em torno da morte, possivelmente ligado a crenças espirituais ou à ancestralidade. Essa descoberta reforça a ideia de que o acto de enterrar os mortos em estruturas específicas — separando-os do ambiente — não é exclusivo das civilizações historicamente documentadas, mas sim uma prática muito mais antiga e difundida, que remonta aos primórdios da organização humana complexa. 

Além disso, a Tumba 4 de Beishouling antecipa, em milhares de anos, o uso sistemático de caixões de madeira em culturas como a egípcia, a mesopotâmica e a chinesa da dinastia Shang, demonstrando que as práticas funerárias sofisticadas têm raízes profundas na história da humanidade.

No Egipto Antigo, o caixão assume uma importância central: elaborado com madeira, pedra ou metais preciosos, o sarcófago era decorado com inscrições religiosas e imagens protectoras, reflectindo a crença na vida após a morte. Já na Grécia e em Roma, os enterramentos podiam incluir urnas cinerárias ou esquifes de pedra ou chumbo, muitas vezes com inscrições e elementos decorativos.


Tumba Egipcia com 3.000 anos a oeste da margem do Nilo em Luxor.
Idade Média e Cristianismo

Durante a Idade Média, o uso do caixão era restrito, sendo comum o enterro directo na terra, especialmente entre as camadas populares. O uso de ataúdes de madeira era reservado às elites, ao clero e às ordens religiosas. A orientação dos sepultamentos passou a obedecer normas cristãs, com a cabeceira voltada para o ocidente (poente), em alusão à ressurreição.

Túmulo da Rainha Santa Isabel, Mestre Pero de Coimbra, 1336 (c.), Convento de Santa Clara, a Nova, Coimbra, Portugal

Os féretros — estruturas temporárias, frequentemente ornamentadas — começaram a ser usados em cerimónias públicas antes da sepultura, especialmente em contextos nobres e eclesiásticos.

Modernidade e Industrialização

Com o avanço da urbanização e da ciência médica, especialmente nos séculos XVIII e XIX, houve mudanças significativas nos ritos fúnebres. O caixão passou a ser visto não apenas como um elemento ritual, mas também como um dispositivo sanitário, limitando a propagação de doenças. A Revolução Industrial permitiu a produção em massa de caixões, com materiais variados (madeira, metal) e níveis diferentes de ornamentação e preço.

Durante o século XIX, surgiram também caixões chamados "de segurança", com mecanismos que permitiriam escapar em caso de enterro acidental ainda em vida — reflexo dos medos da época relacionados à catalepsia e diagnósticos erróneos de morte.

Contemporaneidade

Na actualidade, os caixões continuam a desempenhar papel simbólico e funcional. A sua forma varia de acordo com contextos religiosos, culturais e legais. Há modelos padronizados para uso em funerais civis, caixões ecológicos e biodegradáveis, urnas funerárias individuais ou familiares, e práticas alternativas como cremação e sepultamento natural.

O caixão, portanto, permanece um objecto carregado de significados — não apenas um receptáculo físico, mas também uma expressão dos valores sociais, crenças espirituais e concepções culturais sobre a morte e o corpo.


Conclusão

A evolução do caixão ao longo do tempo revela muito sobre a relação das sociedades com a morte, a memória e o corpo. De simples contenção física a símbolo de status, fé e identidade, o caixão é um artefacto fundamental para compreender as práticas funerárias e seus desdobramentos históricos e antropológicos.



domingo, 23 de março de 2025

 


Exige, esta página, uma pequena nota introdutória! Esta nota ressalva o empenhamento do trabalho ainda não terminado (a missa ainda vai no adro) de alguém com vontade de contar "coisas" sobre a Freguesia onde se trabalha e onde se vive há mais de sessenta anos. Espero conseguir!

 Manuela Moreira



A Cidade dos Mortos - Primeira Parte

"A cidade dos mortos antecede a cidade dos vivos. Num sentido, aliás, a cidade dos mortos é a precursora, quase o núcleo, de todas as cidades vivas. A vida urbana cobre o espaço histórico entre o mais remoto campo sepulcral da aurora do homem e o cemitério final, a Necrópolis em que uma após outra civilização tem encontrado o seu fim."

 A expressão cemitério tem sua origem na cultura grega, sendo derivada de Koimetérion, que significa “eu durmo”, e do latim Coemeterium, referindo-se a um espaço destinado a funerais, também conhecido como Necrópole. Ao longo da história ocidental, diversas formas de cemitérios foram estabelecidas. 

Para que se possa entender a história dos cemitérios, é necessário reflectirmos sobre a evolução da concepção da morte que nortearam as práticas de enterramento desde os primórdios da humanidade. É a partir de uma determinada crença sobre a morte que podemos encontrar uma justificação sobre o destino que os vivos darão aos mortos. Só tendo como guia o imaginário da morte compreenderemos as várias formas de enterramento na história humana.

O desconhecimento sobre o fenómeno, morte, a falta de uma explicação para o desaparecimento repentino da força motora do corpo, para a sua putrefacção, levou a que muitos povos aceitassem que se tratava de um novo estágio do corpo, alimentando a crença de que, nesse novo estágio, os seus entes queridos continuavam a ter as mesmas necessidades que tiveram em vida. Esta é uma das razões porque os mortos eram enterrados com os seus objectos preferidos para além de ser colocado, junto das suas sepulturas, alimentos.

Podemos, pois, constatar que desde sempre a humanidade demonstrou um certo respeito pelos seus mortos, encontrando um lugar especial para os sepultar, na medida das suas crenças. 

 Por vezes enterravam, juntamente com os mortos, alimentos e utensílios, o que indica acreditarem numa vida do além. As sepulturas eram cobertas com pedras, para evitar profanação por parte de animais.

A morte é interpretada de maneiras distintas em diferentes culturas, como entre os hindus, os antigos gregos e os povos mesopotâmicos. Para os hindus, a morte é uma passagem para o Absoluto, enquanto que para os mesopotâmicos, é vista como uma condição degradada de existência. 

Ao contrário dos mesopotâmicos, os hindus praticam a cremação, mas não espalham cinzas; em vez disso, elas são preservadas como um meio de honrar o falecido e facilitar sua passagem para uma existência superior. O hinduísmo é uma das religiões que mais utiliza a cremação. Cinco categorias de indivíduos não podem ser cremados segundo o ritual hindu: crianças menores de 10 anos, grávidas, leprosos, falecidos por envenenamento de serpente e santos. Essas restrições referem-se à crença hindu de que a cremação significa a purificação da alma pelo fogo para o renascimento. Como crianças, santos e fetos não cometeram pecados, não precisam de purificação, sendo seus corpos depositados nas águas de um rio. Leprosos e mortos por serpentes possuem outras justificativas; no primeiro caso, a doença é uma punição dos deuses e, no segundo, acredita-se que a água pode ajudar o cadáver a vomitar e retornar à vida. 

Os antigos gregos, por sua vez, celebravam a morte como um momento de honra e memória. Os gregos também praticavam a cremação, que era vista como um acto de purificação para preparar o falecido para um novo status social entre os mortos. Ao contrário dos hindus, as cinzas dos falecidos eram cuidadosamente guardadas e comemoradas, reflectindo um significado cultural diferente atribuído ao acto de cremação.

A prática da cremação sofreu inúmeros preconceitos e proibições. Para os cristãos, o corpo é o templo do Espírito Santo e, por isso, não pode ser incinerado. Combatida, a ideia de destruir um cadáver pelo fogo era utilizada como vingança e punição a hereges e em casos excepcionais de guerras ou em outros momentos em que a mortalidade era significativa, como na peste negra. No século XIX, diante de epidemias, a prática ganhou força, principalmente com a epidemia de cólera na Inglaterra de 1840. Além da questão higienista, era uma atitude anticatólica, uma maneira de reforçar as diferenças entre os protestantes e os adeptos da Igreja Romana.

As perspectivas judaica e cristã sobre a morte compartilham semelhanças significativas, especialmente no que diz respeito à crença na vida após a morte e à importância dos rituais fúnebres. Ambas as tradições oferecem uma visão de esperança e continuidade, enfatizando a necessidade de viver uma vida moral e significativa para garantir um destino favorável após a morte. Os primeiros cristãos adotaram uma visão diferente da morte. Enquanto outras culturas acreditavam em uma vida após a morte dependente da memória, os cristãos viam a morte como uma transição para a vida eterna, o que moldou significativamente as práticas de sepultamento. Na civilização cristã, a morte foi percebida como uma passagem para outra dimensão da vida, seja de recompensa ou de prosperidade. A sepultura dos corpos foi realizada com solenidade, em respeito à expectativa da ressurreição. Essa visão cristã influenciou hábitos funerários que enfatizavam a dignidade e a importância do rito de passagem. 

A percepção da morte molda significativamente as práticas religiosas em todas as culturas, influenciando tudo, desde rituais funerários até discursos filosóficos e identidades comunitárias. Esses rituais ilustram as diversas maneiras pelas quais as culturas interpretam a morte e a vida após a morte, cada uma reflectindo crenças, valores e estruturas sociais únicos.

Várias foram as manifestações arquitectónicas, utilizadas ao longo dos tempos, que deram rosto à cidade dos mortos, como cavernas, sarcófagos, sepulcros e estátuas tumulares, entre outros. Desde a pré-história aos nossos tempos podemos identificar diferentes tipologias de espaços funerários que nos possibilitam um maior conhecimento sobre o mundo dos vivos, a sua cultura, a sociedade em que se inseriam. A importância da morte e dos lugares reservados à manifestação dos sentimentos que a mesma provoca, sempre existiu. Desde o paleolítico que os mortos foram os primeiros a ter uma morada permanente, à qual, possivelmente os vivos retornavam entre as suas viagens para lhes prestar a sua homenagem.  

Lewis Mumford na sua obra a "Cidade na História" teoriza sobre o nascimento da cidade celebrizando a existência das primeiras cidades "a cidade dos mortos antecede a cidade dos vivos", uma vez que -  “Em meio às andanças inquietas do homem paleolítico, os mortos foram os primeiros a ter uma morada permanente: uma caverna, uma cova assinalada por um monte de pedras, um túmulo colectivo” - o que nos leva a concluir que a humanidade sempre se preocupou com a morte, interpretando-a, chorando-a ou festejando-a segundo as suas crenças.


Sabemos que no Neolítico os defuntos para além de serem colocados em cavernas cuja entrada era fechada por uma rocha, eram também inumados em sepulturas artificiais, os dolmens, um círculo de pedras erguidas cobertas por uma outra. Estas construções revelam a importância que, ao longo da História, a morte, os mortos e os lugares reservados a eles, adquiriram em cada cultura e em cada época. Por volta de 3500 a.C., aparecem as primeiras sepulturas colectivas, provavelmente familiares, e a hierarquização da sociedade perpetua-se nos túmulos: os dos chefes distinguem-se dos outros graças a objectos sumptuosos.

Na antiga civilização egípcia, os locais de sepultamento eram localizados fora dos centros urbanos, como as pirâmides monumentais de Gizé situadas ao longo do Rio Nilo e o cemitério da vila de Deir el Medineh, que possui túmulos piramidais organizados em áreas definidas. Os etruscos desenvolveram necrópoles com túmulos majestosos, alinhados e cobertos por vegetação, ao longo de uma via secundária, criando verdadeiras cidades para os mortos, como na Necrópole da Benditaccia em Cerveteri. Durante o Império Romano, foram erigidos mausoléus, sepulcros e catacumbas para acomodar os falecidos, localizados fora das cidades, como na antiga Via Ápia, a principal rota da época (312 a.C.). Nos primórdios do cristianismo, os crentes eram enterrados em catacumbas subterrâneas, que possuíam passagens irregulares com pequenos cômodos e nichos retangulares escavados nas paredes para abrigar os corpos, conhecidos como lóculos, como exemplificado na Catacumba de Priscilla (séculos II a V d.C., Roma). Durante a Idade Média, surgiram os locais sagrados, incluindo as Necrópoles Reais dentro das igrejas, adornadas com monumentos imponentes, construídos em homenagem à nobreza, como a Basílica de São Denis, onde repousaram os reis e rainhas da França entre os séculos VI e XVI. Posteriormente, foram estabelecidos Campos-santos, dedicados ao sepultamento de falecidos em terrenos religiosos ao ar livre. A partir do Séc. XVIII, os enterros eram profundamente religiosos, reflectindo o domínio da Igreja sobre as práticas funerárias. Com o tempo, houve uma individualização das sepulturas, anteriormente um privilégio da nobreza e do clero, e os rituais começaram a concentrar-se no âmbito familiar .

Os primeiros cemitérios cristãos, chamados de "Koimeteria", que significa dormitórios, reflectiam uma crença na morte como um estado temporário antes da ressurreição. 


Para continuar a ler sobre este tema click na Página Cemitério de Paranhos no friso do Blogue.

terça-feira, 4 de março de 2025

A Casa do Ameal do Arquitecto Celestino de Castro



- "O Moderno Esquecido" é uma breve descrição da Casa do Ameal, de Celestino de Castro, um exemplo paradigmático da arquitetura moderna no Porto .

- O artigo propõe uma reflexão sobre a noção de patrimônio a partir desta obra .

- As palavras-chave incluem patrimônio, arquitetura e a ideia de que o patrimônio também é construído

O Modernismo e a "Escola do Porto" 

- A arquitetura moderna portuguesa teve um grande desenvolvimento inicial no Porto, impulsionada pelo desejo de inovação de uma classe abastada .

- A Escola de Belas Artes do Porto, sob a direção de Carlos Ramos, promoveu uma abertura à modernidade, contrastando com o academicismo de Lisboa .

- A influência de Le Corbusier é notada principalmente em Viana de Lima e Celestino de Castro, com a moradia unifamiliar servindo como campo experimental .

A Inovação em Meados do Século XX 

- A Casa do Ameal, apesar de elementos "regionais" como o granito à vista, segue os princípios da arquitetura de Le Corbusier, com planos laterais mais fechados e grandes vãos .

- A construção apresenta uma organização espacial em três pisos, estrutura minimalista e elementos como planta livre, cobertura em terraço e fachada livre com palas e quebra-sóis .

- O edifício foi concebido para integrar interior e exterior, com jardins participantes nos espaços da habitação e um estudo de cor determinante, realizado pelo pintor Júlio Pomar .

Memória de um Esquecimento 

- A Casa do Ameal e seu autor foram esquecidos, e o edifício foi transformado em "escola de condução", sofrendo descaracterização .

- A mudança de função prejudicou o edifício, cuja base teórica reside no quotidiano familiar, e a delicada caixilharia de madeira foi substituída por alumínio .

- Os jardins e a escada metálica desapareceram, e o espaço envolvente foi ocupado por lajetas de betão, resultando numa aparência banal da construção .

A Casa do Ameal, Patrimônio do Século XX 

- Devido ao seu pioneirismo, contribuição para a história da arquitetura em Portugal e qualidade arquitetônica, a Casa do Ameal merece atenção cuidada .

- Apesar das alterações, o edifício ainda é recuperável e merece ser classificado como patrimônio do século XX .

- A classificação é vista como uma necessidade para a história da arquitetura portuguesa recente e um imperativo ético, dada a perda sistemática do patrimônio moderno no Porto .

A Casa do Ameal de Manuel Cerveira Pinto

Direcção Geral do Património


Foto de 2024

PINTO, Manuel Cerveira – “O moderno esquecido”: a Casa do Ameal do arquitecto Celestino de Castro (1948). A obra nasce: revista de Arquitectura da Universidade Fernando Pessoa. Porto. ISSN 1645-8729. 5 (Out. 2007) 55-58

sábado, 1 de fevereiro de 2025

Necrópole Romana descoberta em Paranhos

 As escavações arqueológicas realizadas na envolvência da atual igreja revelaram uma singular e excepcional área de necrópole.

A descoberta da necrópole romana em Paranhos é, sem dúvida, um marco significativo para a arqueologia e a história do Porto e de Portugal. Esta descoberta não só redefine a compreensão da ocupação humana na região, como também oferece uma janela única para o passado, permitindo-nos explorar as práticas culturais, sociais e religiosas das comunidades romanas que habitaram a área há mais de dois mil anos.

Contextualização Histórica

A presença romana na Península Ibérica deixou um legado profundo, e a descoberta desta necrópole em Paranhos reforça a importância da região noroeste durante o Império Romano. A via romana que ligava Olisipo (Lisboa) a Bracara Augusta (Braga) era uma das principais rotas de comunicação e comércio, e a localização da necrópole ao longo dessa via sugere que Paranhos era um ponto estratégico, possivelmente um pequeno núcleo habitacional ou um local de passagem com significado ritualístico.

A Necrópole e suas Implicações

A identificação de 21 sepulturas, incluindo uma de uma criança, revela detalhes fascinantes sobre as práticas funerárias romanas. A presença de objetos como cerâmicas, vidros, lucernas e elementos de vestuário indica que os mortos eram enterrados com itens que poderiam ser úteis ou simbólicos na vida após a morte. Esses achados sugerem crenças profundas sobre a morte e o além, além de refletirem a organização social e o status dos indivíduos enterrados.

A sepultura da criança, em particular, é uma descoberta emocionante, pois oferece respostas sobre como as comunidades romanas lidavam com a perda de jovens membros. O espólio associado a essa sepultura pode indicar o valor simbólico atribuído às crianças e o cuidado com que eram enterradas.

A Via Romana e o Contexto Arqueológico

A via romana que passa por Paranhos não era apenas uma estrada, mas uma artéria vital que conectava importantes centros urbanos e facilitava o movimento de pessoas, mercadorias e ideias. A descoberta de vestígios dessa via, juntamente com a necrópole, sugere que Paranhos era mais do que um pequeno núcleo rural; era um local integrado numa rede maior de comunicação e trocas culturais.

Impacto na História do Porto

Esta descoberta desafia a narrativa tradicional de que a história do Porto começa apenas na Idade Média. A presença de uma necrópole romana e de uma via romana em Paranhos indica que a região já era significativa durante o período romano, possivelmente servindo como um ponto de ligação entre o litoral e o interior. Isso redefine a história antiga da cidade, destacando a importância de Paranhos como um local de ocupação contínua e de interação cultural.

A necrópole romana de Paranhos é uma descoberta extraordinária. Ela, para além de revelar detalhes sobre as práticas funerárias e a vida quotidiana das comunidades romanas, também coloca Paranhos no mapa como um local de grande relevância histórica e arqueológica. Esta descoberta vem demonstrar que o passado está sempre à espera de ser descoberto, e cada nova escavação pode reescrever a história que pensávamos conhecer.




sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

As redes viárias medievais

As redes viárias medievais




Paranhos - algumas redes viárias medievais
A freguesia de Paranhos, antigo couto da Mitra do Porto confirmado por D. Afonso IV em 1341, anexada à cidade em 1837 teve como eixo inicial do seu desenvolvimento as redes viárias medievais tais como; a Estrada Velha de Braga, eixo viário medieval que arrancava na Porta do Olival e seguia pelo Campo dos Ferradores (atual Praça de Carlos Alberto), Moinho de Vento, Rua e Campo de Santo Ovídio (atuais Rua dos Mártires da Liberdade e Praça da República) e Rua da Rainha (hoje, de Antero de Quental). Crê-se que parte deste traçado poderá corresponder ao da Via XVI, via romana entre Olisipo (Lisboa) e Bracara Augusta (Braga), com passagem por Cale. A partir do Vale Formoso, especulam-se dois traçados para o itinerário de época Romana: um infletindo a Nordeste para o Largo do Campo Lindo (outrora denominado do Encontro) em direção ao Largo da Pontinha (hoje, Largo da Igreja de Paranhos, outro, seguindo pelo traçado da atual Rua do Amial, coincidente com o trajeto da estrada medieval Porto – Braga, onde se registam topónimos sugestivos, como Tronco, Carriçal e Marco (este último já no concelho de Matosinhos, em S. Mamede de Infesta).
O Largo da Igreja de Paranhos corresponde ao antigo Largo da Pontinha, ainda assim denominado na Planta da Cidade de 1892, local de cruzamento de vetustas vias, como a via romana que ligava Olisipo (Lisboa) a Bracara Augusta (Braga). Segundo Carlos Alberto Ferreira de Almeida, «a via romana passaria a poente, embora não longe, da igreja de Paranhos e seguindo, ia pelas traseiras da actual igreja de S. Mamede de Infesta. Aí, mas mais para leste, esteve um marco miliário […] dedicado ao imperador Adriano. Daí a via descia à Ponte da Pedra»



quarta-feira, 17 de agosto de 2022

A aldeia de Lamas

 




 Lamas - A aldeia de Lamas vem referida no primeiro assento de óbito registado na freguesia (20 de novembro de 1588), embora a quinta de Lamas (ou da Viscondessa, no século XIX), próximo do centro do lugar, tenha sido doada pelo bispo do Porto no século XII, em conjunto com a Fonte do Outeiro, ao mosteiro de Águas Santas. Ainda no séc. XVI há registos relativos a Paranhos, que referem a "aldeia de Lamas" (há também referências a Bouças, Tronco, Cabo, Couto, Fonte, Regado, Agueto). O lugar de Lamas surge nas Memórias Paroquiais de 1758 com 35 vizinhos, um dos mais habitados da paróquia, o que demonstra o seu crescimento. Em 1834, o coronel Arbués Moreira, na sua Carta Topográfica das Linhas do Porto (Cerco do Porto), indica a existência do forte de Lamas. Tal como o topónimo indica, este lugar estaria situado junto a linhas de água ou zonas húmidas, áreas em que os solos são férteis, propícios ao cultivo de cereais e para pastagem. 



Na Carta Geotécnica do Porto, estes terrenos caracterizam-se pela existência de solos aluvionares e coluvionares - na área de influência de duas linhas de água - e por solos residuais graníticos muito caulinizados. Até aos dias de hoje manteve traços da sua matriz rural, apesar das construções universitárias e da auto-estrada que lhe retirou a ligação com a Fonte do Outeiro. O Lugar de Lamas é actualmente um pequeno núcleo rural composto por algumas quintas e terreiros agrícolas, onde se destaca o solar de Lamas, com a sua casa, capela e portal brasonado, construído no último quartel do século XVIII.